Diante de condições imprevisíveis que afetam radicalmente a possibilidade de execução do orçamento planejado, é possível afastar a incidência de alguns artigos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Com esse entendimento, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, concedeu cautelar para afastar a exigência de demonstração de adequação e compensação orçamentárias durante a pandemia do novo coronavírus.

A decisão é deste domingo (29/3) e se aplica a todos os estados que tenham decretado calamidade pública em decorrência do novo coronavírus. A concessão deverá ser referendada pelo plenário da corte, ainda sem data definida.

Alexandre é o relator da ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, para afastar algumas trechos da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000) e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (Lei 13.898/2020).

Ao analisar o pedido, o ministro apontou que o afastamento dos artigos pedidos seria excepcional e válida apenas durante o estado de calamidade pública, exclusivamente para combater a pandemia da Covid-19.

Esse afastamento, diz, “não conflita com a prudência fiscal e o equilíbrio orçamentário intertemporal consagrados pela LRF”. Segundo Moraes, não serão feitos gastos orçamentários “baseados em propostas legislativas indefinidas, caracterizadas pelo oportunismo político, mas sim gastos destinados à proteção da vida, saúde e da própria subsistência dos brasileiros afetados por essa gravíssima situação”.

Um dos dispositivos aos quais se conferiu interpretação conforme a Constituição é o artigo 14 da LRF, que, nas palavras do ministro, “destina-se a promover um diagnóstico mais preciso do montante de recursos públicos de que o Estado abre mão por atos de renúncia de receita, tendo como objetivo principal a qualificação do debate legislativo sobre gastos tributários, a partir da análise de duas condições”.

Uma das condições é “a de inclusão da renúncia da receita na
estimativa da lei orçamentária”. A outra alternativa seria “mediante efetivação de medidas de compensação, por meio de elevação de alíquotas, da expansão da base de cálculo ou da criação de tributo”.

Jurisprudência
Moraes também recordou julgamento no qual votou pela constitucionalidade dos artigos 17 e 24 da LRF. Para o ministro, os mecanismos tratam de “prudência fiscal para as despesas obrigatórias continuadas, de modo geral, e ações de seguridade social”.

Tal como o artigo 14, que trata das renúncias de receitas, o ministro considerou que o artigo 17 “representa um dos capítulos normativos que melhor formulam a ideia de equilíbrio intertemporal”.

De acordo com Alexandre, não é razoável que a sociedade “precise arcar com novos gastos orçamentários, sem custo demonstrado ou estimado, sem estudo de repercussão econômico-financeira, baseados somente em propostas legislativas indefinidas, porém geradoras de despesas continuadas e descontroladas”. A mesma conclusão é aplicada aos artigos 16 da LRF e 114 da LDO.

“A importância de planejamento e a garantia de transparência são os dois pressupostos mais importantes para a responsabilidade na gestão fiscal, a serem realizados mediante prevenção de riscos e possíveis desvios do equilíbrio fiscal”, defende Moraes.

Mas situação é excepcional
Apesar disso, o ministro diferencia a constitucionalidade anteriormente por ele reconhecida para demonstrar que, diante da excepcionalidade da crise desencadeada pela pandemia, outra deve ser a interpretação.

“Há, porém, situações [em que] o surgimento de condições supervenientes absolutamente imprevisíveis afetam radicalmente a possibilidade de execução do orçamento planejado, tendo a própria LRF, em seu artigo 65, estabelecido um regime emergencial para os casos de reconhecimento de calamidade pública, onde haverá a dispensa da recondução de limite da dívida, bem como o cumprimento da meta fiscal; evitando-se, dessa maneira, o contingenciamento de recursos; além do afastamento de eventuais sanções pelo descumprimento de limite de gastos com pessoal do funcionalismo público”.

Assim, enfatizando que o Congresso Nacional reconheceu a existência de calamidade pública, o ministro entendeu pelo “excepcional afastamento da incidência dos artigos 14, 16, 17 e 24
da LRF e 114, caput, in fine, e § 14, da LDO de 2020”.

AGU pediu relativização
Na ação, a Advocacia-Geral da União argumenta que os padrões de adequação orçamentária “podem e devem” ser relativizados em conjunturas reconhecidas pela Constituição Federal como excepcionais.

“A exigência de demonstração de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício atual e nos dois subsequentes pressupõe cenário de governança política dentro da normalidade”, afirma. “O mesmo vale para a exigência de compatibilidade de novos gastos com a legislação orçamentária vigente.”

ADI 6.357

Fonte: ConJur