O artigo 253 do Código Civil, inserido no capítulo IV (obrigações alternativas), é claro e conciso: “Se uma das duas prestações não puder ser objeto de obrigação ou se tornada inexequível, subsistirá o débito quanto à outra’’.
Por isso, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul não teve dúvidas em confirmar a vitória de um advogado do Paraná que litigou com duas empresas gaúchas do mesmo grupo econômico para poder receber seus honorários advocatícios.
Tal como o juízo de origem, os integrantes da 15ª Câmara Cível entenderam que o profissional faz jus aos 20% de proveito econômico da ação vitoriosa contra o fisco estadual, em dinheiro, se ficou impedido, legalmente, de receber por crédito de ICMS recuperado.
‘‘Uma vez afastada a modalidade de pagamento de honorários advocatícios por contrariar a Lei Estadual, remanesce a outra obrigação contratada, de pagamento pecuniário em razão da impossibilidade legal de qualquer outro modo de pagamento da remuneração’’, escreveu no acórdão a desembargadora-relatora Ana Beatriz Iser, referendando a sentença.
A ação judicial que deu margem ao litígio visava à obtenção de declaração de direito, por parte das empresas rés, ao aproveitamento do crédito de ICMS relativos às operações de aquisições de combustíveis, pneus e lubrificantes insumidos na prestação da atividade de transporte de cargas realizadas nos últimos cinco anos.
Contrato de honorários
Segundo os autos, o advogado e as duas empresas assinaram um contrato de prestação de serviços jurídicos, prevendo duas formas de pagamento: uma em dinheiro, no valor de 20% dos créditos de ICMS decorrentes da ação ajuizada contra a Fazenda Estadual gaúcha; e outra em cessão destes mesmos créditos fiscais, observado o deságio de 20% usualmente praticado pelo mercado. O valor dos honorários: R$ 1,3 milhão.
Em junho de 2016, por e-mail, o advogado informou a direção das empresas a cerca da vitória judicial. Como a direção não se manifestou, o advogado, por meio de notificação extrajudicial, requisitou documentos para apuração dos créditos de ICMS e honorários, tal como previa o contrato de serviços jurídicos.
Disse que seu contador buscou, sem sucesso e por diversas vezes, obter acesso aos livros que registram as informações que necessitava para a apuração do crédito. Contudo, como os clientes não atenderam as constantes solicitações — embora tivessem a obrigação contratual de oferecer acesso a documentos e balanços —, resolveu executar a cobrança dos honorários.
Em contestação, as empresas opuseram embargos à execução. Sustentaram que o contrato entabulado entre as partes prevê, em caso de vitória, o pagamento do profissional com os mesmos créditos que estavam sendo buscados pelos contratantes. Logo, o título extrajudicial seria inexigível.
Sentença improcedente
Por não verificar qualquer vício que pudesse impedir a execução da obrigação movida pelo advogado, a 12ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre julgou improcedentes os embargos. Após se deter na análise do contrato, a juíza Kétlin Carla Pasa Casagrande observou que a legislação veda a cessão de direitos fiscais de créditos reconhecidos pelo acúmulo da aquisição de insumos para a prestação dos serviços de transportes de carga — o caso dos autos.
Ela lembrou que o artigo 25, parágrafo 2º, da Lei Complementar Estadual 87/96, torna inviável a transferência de tais créditos como forma de pagamento dos honorários contratados. O mesmo ocorre diante da Lei Estadual 8.820/89, em que o artigo 23 lista as circunstâncias nas quais é possível a transferência de saldos credores acumulados, especificando a qualificação dos contribuintes/cedentes e a espécie dos fatos geradores.
‘‘Desse modo, tem-se que a lei impõe uma verdadeira restrição à liberdade de contratação das partes, na medida em que não lhes é lícito estipular a forma de remuneração pelos serviços com a cessão dos direitos de crédito fiscal. A cláusula que estipula tal modalidade não observa a disposição legal, motivo pelo qual é nula e não pode ser invocada em benefício de qualquer dos contratantes’’, escreveu na sentença.
Em face deste quadro, a julgadora entendeu que o advogado não agiu de forma ilegal ao exigir o pagamento dos seus honorários em dinheiro, já que previsto no contrato. Além disso, finalizou, o artigo 253 do Código Civil acena, claramente, com a possibilidade de satisfação do crédito se uma das duas modalidades de prestação se tornar inexequível.
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Processo 001/1.18.0059226-5 (Comarca de Porto Alegre)
Fonte: ConJur