A recente decisão proferida pelo juiz federal Heraldo Garcia Vitta, da 21ª Vara Federal de São Paulo, no processo 0021916-79.2015.403.6100, tem reacendido reflexões dentre os operadores do direito, em especial dentre aqueles que se dedicam à advocacia tributária.

Restou reconhecido pelo magistrado o direito da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (Apesp) e de seus filiados à dedução integral das despesas com educação própria e de seus dependentes na declaração de ajuste anual do imposto de renda, abarcando, também, gastos com educação infantil, ensino fundamental, médio e superior, cursos de graduação e pós-graduação e ensino técnico.

O limite de dedução, na ótica da associação, seria inconstitucional na medida em que o Estado, como provedor da educação, ao atuar de forma insuficiente ou não satisfatória, delega tal encargo aos cidadãos que, noutro giro, não podem ter esta parcela da renda (em verdade um gasto…) destinada à educação tributada.

A questão não é nova e na verdade vem sendo apreciada pelo judiciário de forma recorrente e já há algum tempo.

Em 2004 a juíza Luciana de Souza Sanchez, da 25ª Vara Cível Federal de São Paulo, deferiu pedido de tutela antecipada em sede de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal e permitiu a todos os contribuintes a dedução da totalidade dos gastos com educação nas declarações de Imposto de Renda da Pessoa Física ano-base 2003.

Em 2012, o Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, quando do julgamento do Recurso de Apelação 0005067-86.2002.4.03.6100/SP, acolheu arguição para declarar a inconstitucionalidade da expressão até o limite anual individual, contida no artigo 8º, II, alínea “b”, da Lei 9.250/95, decisão contra a qual foi interposto Recurso Extraordinário pela União Federal, ainda em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal, mas já com manifestação da Suprema Corte, como em outros casos, pela ausência de violação clara ao texto constitucional.

O Supremo Tribunal Federal tem manifestado o entendimento de que seria vedado ao Poder Judiciário atuar como legislador positivo estabelecendo isenções tributárias não previstas em lei, tendo neste sentido assentado que “a discussão relativa à limitação da dedução, na declaração de ajuste anual do imposto de renda, dos valores pagos a título de educação, na forma da Lei 9.250/95, insere-se no âmbito infraconstitucional, sendo certo, ainda, que eventual ofensa à Constituição, caso ocorresse, dar-se-ia de forma reflexa ou indireta.” (AI 724817 AgRg, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJe 09-03-2012).

De toda forma, a questão aguarda pronunciamento final na Suprema Corte, examinada no âmbito da ADI 4.927, protocolada em 2013, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, ainda pendente de julgamento.

Em verdade, a despeito do precário estado geral do sistema educacional pátrio, a questão ao meu ver (além de saltar aos olhos de qualquer leigo em razão da defasagem de atualização dos limites legais…), cinge-se a ser ou não possível a tributação pelo IR de parcela da renda utilizada/investida em educação, por expressa violação ao Princípio da Capacidade Contributiva, além de violação ao critério material da regra matriz de incidência do Imposto de Renda, esmiuçada nos artigos 43 a 45 do CTN, mas calcada no artigo 153, III da Constituição Federal.

Explico. O Código Tributário Nacional no artigo 43, I e II, especifica o critério material da regra matriz de incidência, como a aquisição da disponibilidade de acréscimo patrimonial produto do capital, do trabalho, da combinação de ambos (renda) ou de qualquer outra causa (proventos).

O elemento quantitativo da regra matriz de incidência, qual seja, a sua base de cálculo, seria o “montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis” (CTN, artigo 44), decorrência da diferença entre os rendimentos recebidos e as deduções previstas no inciso II do artigo 8º da lei 9.250/95.

Analisando o permissivo legal no que pertine às deduções, observa-se que a alínea “b” do inciso II, do artigo 8º da lei 9.250/95 fixa o limite pecuniário, individual e anual do contribuinte e de seus dependentes, para a dedução dos pagamentos de despesas com instrução.

E a inconstitucionalidade residiria exatamente neste ponto, pois o legislador ordinário ao ampliar os conceitos de “renda” e “proventos de qualquer natureza” estaria extrapolando sua função legislativa.

Estaria, na verdade, com as deduções e seus limites, admitindo um imposto sobre gastos com educação, o que não foi objeto de definição pela Constituição Federal quando esta se referiu ao critério material da regra matriz de incidência tributária do Imposto de Renda, conceituando, mesmo que indiretamente o que deveria ser objeto de espoliação.

Somente seria permitido tributar, portanto, pela ótica constitucional, o acréscimo patrimonial, após as deduções do valor integral das despesas com educação, dentre outras já realizadas em sua integralidade, como as despesas médicas.

Ao não permitir a dedução das despesas relacionadas com a educação, o legislador ordinário subverteu o conceito constitucional de renda, vez que autorizou a tributação sobre decréscimos patrimoniais, desembolsos consistentes em perda da disponibilidade econômica e jurídica, o que constituiria expressamente uma violação direta e não reflexa, ao meu ver, à Charta.

E nem se argumente que tratar-se-ia os limites elencados na norma infraconstitucional de benefício fiscal, já que representativo do incentivo à educação, pois o critério material da regra matriz de incidência tributária do Imposto de Renda é translúcido ao definir o conceito de renda, nada havendo de intersecção os conceitos de dedução (técnica fiscal) e benefício fiscal (regime especial de tributação).

Além do mais, reza o Princípio da Capacidade Contributiva, um dos pilares do Direito Tributário, que o Estado deve exigir da coletividade (cidadãos), a contribuição com as despesas públicas na medida de sua capacidade para contribuir, ou seja, conforme a capacidade concreta de cada indivíduo para suportar o peso daquela exação.

Ao impor limites para a dedução do valor integral das despesas com educação, o legislador ordinário ofende o Princípio da Capacidade Contributiva na medida em que faz incidir a tributação sobre gastos necessários para a própria subsistência do indivíduo e a de seus dependentes.

Se as deduções elencadas na norma infraconstitucional são apenas técnicas de aferição da capacidade econômica de pagar tributos, sob o aspecto individual, pois leva-se em conta não só os rendimentos brutos, mas também os gastos necessários à garantia do mínimo existencial, tributar tais gastos além de contrassenso é violação clara ao próprio princípio.

Como a educação e a saúde foram erigidos como direito social constitucionalmente albergado a todos, mais que isso, erigidos à mínimo existencial, como antes dito, sendo de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proporcionar os meios de acesso a tais direitos, impor limites tais quais os cominados pelo legislador ordinário através da Lei 9.250/95, enseja de forma clara uma violação aos artigos 6º, 23, V, e 205 da CF.

Dessa forma, seja pela ótica do alargamento (termo frequentemente utilizado pelos que defendem os limites impostos, na tentativa de se permitir despautérios tributários…) do conceito de renda, seja pelo não atendimento ao conceito principiológico da capacidade contributiva, ímpar para qualquer análise no âmbito do Direito Tributário, ou pela clara negativa de acesso ao gozo de direito erigido como fundamental na Constituição Federal (Direito à Educação), a norma ordinária, mais especificamente as deduções previstas no inciso II do artigo 8º da lei 9.250/95 é inconstitucional, merecendo reparo da Suprema Corte.

Por fim, vale lembrar que não há que se falar em ofensa ao Princípio da Separação dos Poderes (CF, artigo 2º), caso haja intervenção da Suprema Corte na supressão da norma (declaração de inconstitucionalidade parcial), vez que lhe cabe, como órgão responsável pela guarda da Constituição Federal, o aprimoramento da democracia e a preservação dos direitos de todos os cidadãos brasileiros.

Fonte: ConJur