As mudanças propostas pelo governo nas normas para concessão de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) afetarão de forma radical a vida de sete em cada 10 brasileiros. Os números levam em conta as 141,3 milhões pessoas em idade ativa no país, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2015. Desse total, os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que 101,4 milhões de cidadãos não se enquadram nas regras de transição propostas pelo Executivo e que serão analisadas pelo Congresso Nacional a partir do próximo ano.

Esse contingente de pessoas corresponde aos 53,3 milhões de homens com menos de 50 anos e as 48,1 milhões mulheres com idade inferior a 45 anos que, pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287, não terão direito às regras de transição definidas no texto. Para se aposentar terão de contribuir, obrigatoriamente, por pelo menos 25 anos e terão de comprovar 65 anos de vida. Além disso, não poderão acumular o benefício com nenhum tipo de pensão, como é comum no país. O texto ainda define que as normas valerão para empregados dos setores público e privado.

Os 39,8 milhões que se enquadrarão nas regras de transição terão de pagar um pedágio de 50% sobre os anos que faltam para se aposentar pelas normas atuais de tempo de contribuição. Apesar das restrições impostas pelo texto, há um consenso no mercado e entre os economistas liberais de que a reforma é essencial para equilibrar as contas públicas. E, sobretudo, que as mudanças são necessárias garantir a sustentabilidade do sistema que paga atualmente mais de 33 milhões de benefícios ao mês, a um custo de R$ 37 bilhões.

MAIS RICOS

Diante das críticas de que a proposta penalizaria os mais pobres, o economista Pedro Schneider, do Itaú Unibanco, explica que o aumento da idade afeta mais intensamente justamente os trabalhadores de renda mais elevada. Ele detalha que esse grupo atinge o tempo de contribuição mínimo para aposentadoria mais rapidamente, em razão do grau de qualificação e de estabilidade do seu emprego. Além disso, combinada ao atingimento da idade de aposentadoria precoce, a remuneração média elevada aumenta o valor da aposentadoria recebida, representando forte pressão nos gastos com previdência.

Schneider comenta que os trabalhadores de menor renda, apesar de entrarem mais cedo no mercado de trabalho, estão sujeitos a um grau maior de informalidade e usualmente se aposentam por idade, isto é, aos 65 anos se homens e 60 anos se mulheres, sob as regras atuais. “A adoção de uma idade mínima, portanto, dificulta principalmente a aposentadoria precoce por tempo de contribuição, que gera benefícios médios maiores, e, logo, está associada à parcela mais rica da população”, ressalta.

Nas contas do economista do Itaú Unibanco, a reforma permitirá uma economia de 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) no gasto com previdência até 2025. No mesmo período, o déficit encolherá 1,5% da geração de riquezas no país. Ele alerta que sem reforma a Previdência, que em 2016 equivale a 40% do total dos gastos primários, corresponderia 65% das despesas em 2025. Com a aprovação da PEC e mantendo a regra de ganhos reais para o salário mínimo, ele projetou que os desembolsos chegariam a 55% dos gastos, enquanto seria de 48%, se o valor das aposentadorias crescer apenas com a inflação.

AVANÇOS

A proposta de reforma da Previdência, avalia o economista Rogério Nagamine, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), é ampla e necessária para garantir o pagamento de benefícios para as gerações futuras. Conforme ele, o processo de envelhecimento da população no curto prazo implicará aumento de gastos significativos se as regras para concessão de aposentadorias não forem revistas. Nagamine destaca que pelo menos 46 países aumentaram ou estão em processo de elevação da idade mínima.

Espanha e Alemanha, por exemplo, estão revisando a norma de 65 anos para 67 e vários países-membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) têm tomado medidas semelhantes.

Desses 46 países que estão aumentando a idade de aposentadoria, um grupo de 16 já eliminou, ou vai eliminar, a diferença de idade entre homens e mulheres para requerer aposentadoria. Além disso, o especialista comenta que de 174 países analisados, em 116 não há diferenças para homens e mulheres nas normas para requisição de benefícios. O equivalente a 67% do total. Nagamine ainda destaca que, no cenário internacional, a taxa de reposição, que corresponde ao salário que recebia em idade ativa, fica, em média, entre 60% e 70%. “A onda de reformas é mundial e não é exclusivamente nossa. O debate do tema é extremamente relevante para a sociedade”, afirma.

Nas contas do secretário de Previdência do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetano, se o texto for aprovado ainda em 2017 tem potencial para gerar uma economia de R$ 5 bilhões na concessão de benefícios. Para 2019, deixariam de ser gastos R$ 14,6 bilhões. Em 2020, o alívio seria de R$ 26,7 bilhões e, em 2021, de R$ 39,7 bilhões. Conforme ele, esse montante chegará a R$ 678 bilhões até 2027. Caso o texto seja aprovado e as estimativas se tornarem realidade, Caetano projeta que as despesas com pensões e aposentadorias se estabilizariam e entre 8% e 9% do PIB. Além disso, o déficit convergiria para um percentual entre 1,5% e 2% da geração de riquezas no país.

O secretário ressalta que a proposta tem como principal virtude acabar com as distorções existentes entre os regimes, mas manteve seu caráter social ao garantir uma renda mínima aos trabalhadores. Ele destaca que não é favorável a mudanças profundas no texto, pois isso acabaria com a intenção principal, que é garantir que as gerações futuras tenham acesso aos benefícios. “Se só começar a reforma tirando fulano e ciclano, vamos perder um dos objetivos que é a equidade. E para ela ter uma consistência, temos que dar uma sustentabilidade pelo menos de algumas décadas”, comenta.
Três perguntas para Pedro Schneider – economista do Itaú Unibanco

O aumento da idade de aposentadoria afeta mais intensamente os mais pobres?
Não. O aumento da idade afeta mais intensamente justamente os trabalhadores de renda mais elevada. Estes atingem o tempo de contribuição mínimo para aposentadoria mais rapidamente, em razão do grau de qualificação e de estabilidade do seu emprego. Além disso, combinada ao atingimento da idade de aposentadoria precoce, a remuneração média elevada aumenta o valor da aposentadoria recebida, representando forte pressão nos gastos com Previdência. Os trabalhadores de menor renda, por sua vez, apesar de entrarem mais cedo no mercado de trabalho, estão sujeitos a um grau maior de informalidade e usualmente se aposentam por idade, isto é, aos 65 anos se homens e 60 anos se mulheres, sob as regras atuais.

Qual o impacto das medidas propostas no gasto e no déficit da Previdência?
A reforma proposta permite uma economia de cerca de 1,4% do PIB no gasto com previdência e de 1,5% do PIB no déficit da Previdência, até 2025, em relação ao cenário sem reformas. Se as medidas forem aprovadas, o gasto e o déficit da Previdência estarão em torno de 8,9% e 3,1% do PIB em 2025, contra 8,2% e 2,5% do PIB em 2016 e 10,3% e 4,6% do PIB, caso nenhuma reforma seja aprovada. Se além da reforma, o salário mínimo se mantiver apenas constante em termos reais, o gasto e o déficit ficarão em torno de 7,8% e 2% do PIB, ligeiramente abaixo dos níveis de 2016. Dos gastos da previdência, 66% estão indexadas ao indicador. E o salário mínimo teve reajustes reais significativos nos últimos anos. Assim, a regra incorporou ganhos de produtividade da geração de jovens trabalhadores para idosos aposentados.

A reforma da Previdência proposta possibilita o cumprimento do teto de gastos até 2025?
Sim, se no futuro o valor das aposentadorias crescer, na média, com a inflação. Sem reforma, estimamos que a Previdência, que em 2016 equivale a 40% do total dos gastos primários, corresponderia 65% dos gastos em 2025. Com a reforma e mantendo a regra de ganhos reais para o salário mínimo, essa despesa seria de 55% dos gastos, enquanto seria de 48% se o valor das aposentadorias crescer apenas com a inflação. Adicionalmente, vale notar que possíveis flexibilizações na PEC realizadas pelo Congresso, sobretudo na regra de transição para a adoção de uma idade mínima, postergariam os impactos no gasto previdenciário, podendo inviabilizar o cumprimento do teto.

Fonte: Classe Contábil