A Lei 13.800/19 estabeleceu os Fundos Patrimoniais Filantrópicos no Brasil está em vigor desde 4 de janeiro de 2019. Mas em pouco mais de um ano ainda não teve os efeitos previstos. A discussão em torno do tema, porém, tem sido produtiva.

Também chamados de endowments, esses fundos são criados para financiar projetos e causas sociais. A legislação veio a reboque do debate e da comoção provocada pelo incêndio que destruiu o acerto do Museu Nacional, no Rio de Janeiro.

Conforme levantamento pelo Instituto do Desenvolvimento do Investimento Social, ao longo do primeiro ano de vigor da lei houve intensa mobilização e criação de regulamentações específicas em torno do tema.

O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, por exemplo, publicou a Portaria de Fundos Patrimoniais e Endowments para CT&I e assinou os primeiros termos de apoio institucional do MCTIC a fundos patrimoniais. A Secretaria Especial da Cultura, por sua vez, criou um grupo de trabalho para escrever instruções normativas.

Neste pouco mais de um ano também foram criadas duas organizações gestoras de fundos patrimoniais. O pioneiro foi o Fundo Patrimonial Rogerio Jonas Zylbersztajn, que é voltado ao financiamento de instituições judaicas, públicas e privadas. O outro fundo foi o da PUC-Rio — o primeiro voltado ao financiamento de uma universidade brasileira.

Segundo a advogada Flavia Regina de Souza, sócia do escritório Mattos Filho, a lei ainda está em fase de consolidação. “Essa legislação dá mais estrutura e segurança para quem quer investir em filantropia a longo prazo. Traz uma estrutura mais robusta de governança e apresenta mais segurança no sentido de que esse recurso vai chegar na ponta”, explica.

Flavia também destaque a lei de fundos patrimoniais permite a remuneração dos profissionais envolvidos na gestão dos recursos. “Isso permite atrair talentos e trazer ainda mais profissionalismo para o modelo”, diz.

Ela também explica que o investimento em filantropia e sustentabilidade serão cada vez mais importante para os negócios e, em vista disso, a lei dos fundos patrimoniais chegou em uma excelente hora.

“O Fundo de Investimentos BlackRock — o maior fundo private equity do mundo — publicou uma carta em que afirma que irá privilegiar investimentos em negócios sustentáveis e que se preocupam com sua cadeia de fornecedores”, explica.

Transparência e entraves
Um dos principais trunfos dos fundos patrimoniais é a transparência. Organizações gestoras com recursos líquidos superiores a R$ 20 milhões, por exemplo, devem ser submetidas a auditoria independente.

Apesar da transparência, a lei ainda esbarra na questão tributária. Essa é opinião da advogada tributarista Camila Mazzer de Aquino, do WZ Advogados. “Infelizmente entre a medida provisória e a aprovação da lei as questões tributárias foram excluídas e ainda não houve regulamentação da Receita Federal. E isso traz insegurança”, explica.

A advogada aponta que não está definido como a Receita Federal vai tratar o dinheiro que sai do doador para o fundo ou mesmo a tributação da própria gestora. “A dúvida é saber se para o gestor do fundo serão transferidos os benefícios já existentes das organizações sem fins lucrativos”, comenta.

Os aspectos tributários também precisam ser melhorados em relação aos endowments na opinião da advogada Priscila Pasqualin, do PLKC Advogados. “Tivemos um único incentivo fiscal previsto expressamente para os fundos patrimoniais voltados a cultura que ainda não foi regulamentado”, comenta.

Priscila também aponta que o incentivo tributário é fundamental para atrair investimentos para instituições públicas por meio de fundos patrimoniais. “Vivemos em um ambiente hostil em relação a sociedade civil e organização sem fins lucrativos atualmente no país. Sem incentivo fiscal, nesse ambiente fica um pouco mais delicado o processo de criar fundos patrimoniais que beneficiem uma instituição pública”, afirma.

Por fim, ela defende uma regulamentação que deixe claro que fundos patrimoniais voltados a educação, saúde e assistência social sejam isentas de imposto de renda sobre aplicações financeiras. “Se temos isenção de imposto de renda sobre aplicação financeira para fundos de pensão, também devemos ter para um fundo patrimonial em que os recursos nunca retornarão aos doadores e dividendos serão sempre aplicados a causas de interesse público”, defende.

A Lei de Fundos Patrimoniais abriu um campo fértil para investimentos sociais, mas o terreno ainda não está completamente preparado.

Fonte: ConJur