O Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria, suspender dois artigos da Medida Provisória 927, que permitem mudanças no contrato de trabalho durante a pandemia do coronavírus.

O artigo 29 estabelece que o coronavírus não é doença ocupacional, exceto mediante comprovação do nexo causal. Já o artigo 31 suspendeu a atuação dos auditores fiscais do trabalho por 180 dias. Foram sete votos para declarar que as normas são inconstitucionais.

Apesar dos dois artigos suspensos, partes importantes da MP foram mantidas. Por exemplo, a regulamentação do teletrabalho, o adiamento do recolhimento do FGTS por três meses, a suspensão de férias para a área da saúde e a autorização da antecipação de feriados.

O julgamento aconteceu nesta quarta-feira (29/4), em que estava pautada para referendo a liminar do ministro Marco Aurélio em conjunto com outras seis ações que questionam a MP 927. Em seu voto, na semana passada, o relator afirmou que a MP procurou atender a situação emergencial e preservar empregos e a fonte do sustento dos trabalhadores. Além disso, reafirmou que ela ainda deve passar pelo crivo do Congresso.

Nesta quarta, os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes adiantaram seus votos e acompanharam integralmente o relator. Eles deixaram o Plenário por compromissos externos.

A divergência foi aberta com voto do ministro Alexandre de Moraes. Ele referendou a decisão, em partes, considerando o momento excepcional, mas votou pela necessidade de suspender os dois artigos. Para ele, o artigo 29 pode excluir profissionais que estão atuando em atividades essenciais, como médicos, enfermeiros e motoboys.

Jabuti
Sobre o artigo 31, o ministro apontou que não vê qualquer motivo para suspender o trabalho dos auditores do trabalho. “Se viesse do parlamento, eu diria que seria um jabuti. Mas como a medida veio do Executivo, eu não vejo qualquer razoabilidade (…) Uma medida provisória não pode estabelecer fiscalização menor, que atenda contra a saúde do empregado e não auxilia em nada em relação à pandemia”, afirmou. Jabutis, no jargão político, designam inserções de dispositivos alheios ao tema principal de uma norma.

Ele foi seguido integralmente pelos ministros Cármen Lúcia e Luiz Fux. O ministro Luís Roberto Barroso discordou apenas do artigo 31 que, para ele, deveria ter uma “interpretação conforme”. Ou seja, manteria o texto “em caso de recalcitrância” e o auditor teria ainda os poderes de multar ou autuar.

Barroso também defendeu que a leitura do Direito do Trabalho deve ser “à luz da Constituição, que impõe respeito aos direitos fundamentais dos trabalhadores para assegurar-lhes um patamar civilizatório mínimo”. “Os direitos indisponíveis incluem: proteção à saúde e à segurança do trabalho, salário mínimo para atender necessidades vitais, repouso remunerado, férias, direito de greve, seguro ou proteção contra a cidade de trabalho, seguro desemprego, dentre outros”.

Divergências
O ministro Luiz Edson Fachin, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski também acompanharam o voto de Moraes, mas foram além e indicaram também a suspensão de outros artigos.

Fachin propôs a suspensão de artigos da MP que tratam de acordo individual, home office, exames médicos demissionais, dentre outros. Um dos trechos nos quais o ministro viu flagrante incompatibilidade foi o artigo 4º, parágrafo 5º, que trata da possibilidade do empregado ser acionado pela empresa fora do expediente. Segundo o ministro, o tempo de uso de aplicativos para o trabalho deve “submeter-se às regras constitucionalmente estabelecidas para a jornada e sobrejornada de trabalho”.

Outra divergência do ministro foi em relação aos artigos 15 e 16, que suspenderam exigências referentes a segurança e saúde no trabalho. As medidas de proteção aos trabalhadores durante a pandemia, disse o ministro, “convergem e convalidam o que a Constituição de 1988 havia estabelecido de forma expressa, de modo que o Capítulo VII da Medida Provisória 927/2020 deve ser suspenso por incompatibilidade com o texto constitucional”. Leia aqui o voto do ministro.

A ministra Rosa Weber concordou com a fragilidade da MP no que tange à saúde do empregado. Ela foi firme ao dizer que as normas que tratam do direito a saúde, segurança, higiene e meio ambiente do trabalho são intransigíveis. “Não adianta o empregado sobreviver à Covid-19 e vir a morrer durante a pandemia em acidente do trabalho ou mesmo adquirir uma moléstia ocupacional”, disse.

O principal destaque da ministra foi em relação à preponderância do acordo individual escrito sobre os outros instrumentos legais. “A lógica subjacente à medida provisória é a própria desconstrução do Direito do Trabalho, muito mais ampla do que as perseguidas reformas trabalhistas. É um verdadeiro retorno ao século 19, quando vigorava o princípio do ‘quem diz contratual diz justo'”, criticou. Para a ministra, até mesmo nas reformas “[o que] sempre se buscou foi a prevalência do negociado coletivamente sobre o legislado”, o que não aconteceu na MP.
O ministro Lewandowski também criticou a amplitude da MP ao suspender outros instrumentos. Não é possível, disse, “que uma medida provisória, que é um ato efêmero, possa revogar toda legislação trabalhista e instrumentos negociais já celebrados inclusivo em termos retroativos”.

Ele propôs então suspender parcialmente o artigo 2º, mesmo não sendo objeto da ação, por “flagrante inconstitucionalidade”. “Os acordos individuais não podem ter preponderância sobre os demais instrumentos normativos legais e negociais inclusive retroagindo sobre os acordos já celebrados”.

ADIs 6.342, 6.344, 6.346, 6.348, 6.349, 6.352 e 6.354

Fonte: ConJur