O Tribunal Regional Federal da 4ª Região vai decidir se a União pode se apropriar de parte das receitas de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) por municípios. Em março deste ano, a 1ª Seção da corte acolheu um incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) para definir como deve ser interpretado o inciso I do artigo 158 da Constituição Federal, já que a Procuradoria da Fazenda Nacional mudou a tese que aplica ao dispositivo.
A decisão da 1ª Seção não foi de suspender a tramitação dos processos que tratem do tema, mas que as varas federais se abstenham de decidir sobre o mérito. O TRF-4 também não deve julgar recursos sobre a matéria.
O inciso I do artigo 158 da Constituição diz que os municípios têm direito a incorporar às suas receitas o dinheiro de IRRF decorrente de pagamentos feitos por ele, suas autarquias e fundações. O mesmo vale para os estados. Mas, desde março deste ano, a Receita Federal decidiu se incorporar de uma parte da receita desse imposto retido na fonte.
Em solução de consulta de 2015, o Fisco federal passou a dizer que a interpretação do texto constitucional nesse caso deve ser restrita. De acordo com o texto, o inciso I do artigo 158 da Constituição fala em “rendimentos pagos a qualquer título”, e não em “pagamentos”. E a Constituição difere, no artigo 195, receitas de folha de salários. Portanto, a União pode tratar de maneira diferente o imposto referente à transferência de renda do referente ao pagamento da folha.
Na prática, isso quer dizer que os municípios só têm direito a incorporar o IRRF referente aos pagamentos a servidores e funcionários. O imposto incidente sobre a renda de todos os outros pagamentos deve ser transferido à União para ser redistribuído depois, de acordo com as regras do Fundo de Participação dos Municípios.
A tese da Receita se baseia em parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que discutia a situação dos estados. Quanto aos estados, a tese nunca emplacou no Judiciário — como o próprio parecer reconhece, ao citar precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Em relação aos municípios, ainda não há precedentes suficientes que indiquem o sentido da jurisprudência.
Interpretar pra piorar
O IRDR foi levado ao TRF da 4ª Região pelo município de Sapiranga, no Rio Grande do Sul. A Prefeitura foi à Justiça Federal reclamar da mudança de interpretação sem previsão em lei, apenas em regras internas (no caso, a Instrução Normativa 199/2015, com a interpretação dada pela Solução de Consulta 166, do mesmo ano).
Em liminar, o juiz federal Guilherme Gehlen Walcher suspendeu a autuação fiscal, mas pediu que o TRF-4 decidisse a matéria por meio de um IRDR. Na decisão, ele diz que a nova interpretação da Receita sobre o direito dos municípios ao IRRF “não vem sendo acolhida pela jurisprudência”.
Na petição, Sapiranga afirmou que o dinheiro reclamado pela Receita a impediria de arcar com suas despesas. Em 2016, a cidade arrecadou R$ 194,6 milhões, segundo a Secretaria de Fazenda do município, e a União cobra R$ 127,3 mil, segundo as contas da PFN no estado.
O juiz afirma ainda que a nova tese fiscal fez com que o município tivesse de dispor de dinheiro que pretendia arrecadar em seu orçamento previsto para 2017. “A dificuldade de caixa na esfera municipal evidencia-se pela crise econômico-financeira por que passa o País nos últimos anos.”
Efeito multiplicador
A decisão foi tomada em setembro de 2016. No dia 7 de março deste ano, o juiz do caso, Guilherme Walcher, enviou ao TRF-4 um pedido de reconhecimento de IRDR. No despacho, ele afirma que há “dezenas” de processos que tratam do mesmo tema em trâmite na 4ª Região da Justiça Federal.
Segundo o magistrado, a probabilidade de os pedidos se multiplicarem é alta. Embora a tese da União seja “plausível”, a “interpretação ampla” do artigo 158 da Constituição vigora “há mais de duas décadas”, e a mudança de tese afeta diretamente os cofres municipais. “O objeto litigioso pode receber diferentes interpretações por diferentes magistrados, levando a situações de falta de isonomia entre os municípios, o que se revela absolutamente indesejável no âmbito da repartição constitucional de receitas entre os entes federados.”
Walcher afirma ainda que a discussão do artigo 158 da Constituição é semelhante à que trata da inclusão das multas do programa de regularização de ativos mantidos no exterior no FPM. O TRF-4 decidiu acolher um incidente de resolução de demandas repetitivas sobre o caso do FPM por causa da “natureza pública indisponível” dos recursos e do “alto grau de associação entre municípios”, que os permite aproveitar teses favoráveis.
No caso do imposto retido na fonte, escreveu Walcher, “a matéria tem ainda maior amplitude, porque não se trata de uma receita estanque, restrita a um determinado exercício financeiro, mas sim de receita de natureza continuativa, de modo que a discussão permanece não apenas neste mas também nos exercícios financeiros subsequentes”.
Fonte: ConJur