O Tribunal Regional do Trabalho do Espírito Santo resolveu definir nesta quarta-feira (25/1), em súmula, algo que está sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal: a corte trabalhista, na prática, proibiu empresas de dispensarem trabalhadores sem justificativa. O embate se dá em torno da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho.

A questão é controversa, pois diversos representantes do Direito e do empresariado veem a obrigação como enorme intervenção estatal em uma relação privada. Com a nova norma, a empresa capixaba que demitir o empregado terá de provar que houve um motivo para a dispensa. Se a Justiça do Trabalho não concordar com a razão apresentada, o trabalhador terá de ser recontratado.

A medida do TRT-ES provocou forte reação. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, foi direto: “Talvez eles pudessem aproveitar e decretar a estatização de todas as empresas no Espírito Santo. Ou, ainda, poderiam conceder uma liminar que suspendesse a recessão econômica. Devemos rogar aos céus para que não percamos o senso de justiça. Se nossas preces não são ouvidas, rezemos pelo menos para que não percamos o senso do ridículo”, criticou, em entrevista para a ConJur.

Receio de engessamento
Os defensores da Convenção 158 da OIT dizem que ela permite demissões no caso de uma empresa que passe por dificuldades, ou em situações que ela opte por investir em outra área ou até mesmo pela automação de determinado posto. Mas o receio é que a norma seja utilizada para impedir qualquer tipo de demissão, o que complicaria o planejamento a curto, médio e longo prazo das empresas.

Para o advogado Marcelo Tostes, a medida gera insegurança e, em última medida, pode acabar com vagas de emprego. “É uma interferência estatal em uma relação de que deve ser privada. E se as justificativas de que a empresa passa por dificuldade não forem aceitas? O empresário não pode reduzir o salário e ficará sem pode demitir. A única saída será fechar a empresa e acabar com os postos de trabalho. Essa intervenção vai gerar prejuízos e desemprego ao país e vai contra tudo que há de mais moderno na área”, afirmou.

Questão de civilidade
Já para o ministro Lélio Bentes, do Tribunal Superior do Trabalho, a Convenção 158 da OIT estabelece um maior nível de civilidade na relação de emprego, minimiza a sujeição completa do funcionário e dá o mínimo de previsibilidade para o trabalhador planejar sua vida. O julgador ressalta que a norma foi ratificada por 36 países (entre eles França, Austrália e Espanha) e apenas um, o Brasil, cancelou-a. Em nenhum destes, diz ele, a ordem econômica, o nível de emprego e a liberdade das empresas foram afetados.
“O que se verifica é que se a justificativa da empresa é dificuldade econômica ou corte uma área para investir em outra, ela é aceita. Esse tipo de recurso só é utilizado em casos de demissão desmotivada, por vingança ou perseguição. Sei que de 80% a 90% das demissões são justificáveis, ninguém quer demitir. A norma é razoável, bem vinda e onde foi adotada não causou polêmica ou enormes mudanças para as empresas”, disse Bentes para a ConJur.

O advogado Wagner Gusmão, do escritório Tristão Fernandes Advogados, ressalta que convenção não cria estabilidade apenas para o trabalhador, conforme vem sendo dito. “Ela estabiliza um pouco mais o emprego, o que estabiliza o mercado de consumo, pois é consequência do outro”.

Três caminhos no Supremo
Após ser aprovada pelo Congresso em 1996, a Convenção 158 da OIT foi denunciada e anulada pelo então presidente da República Fernando Henrique Cardoso, oito meses após ele mesmo tê-la ratificado.

“Este é um dos maiores vexames do Direito Internacional que o Brasil já protagonizou. A convenção foi debatida e aprovada na Câmara e Senado e ratificada pelo presidente. Geralmente o padrão é que se espere dez anos com ela válida, para, se for mo caso, denunciá-la, que é a nomenclatura para anulá-la. Aqui, foram oito meses entre ratificação e denúncia”, conta Bentes.

Em 1997, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) entraram com ação direta de inconstitucionalidade no Supremo. O argumento era que uma norma internacional aprovada pelo Congresso só poderia ser anulada com anuência do Legislativo.

Até agora, já são quatro votos no STF pela inconstitucionalidade da medida (dos ministros Maurício Corrêa, Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Rosa Weber). Nelson Jobim votou pela improcedência do pedido.

O ministro Teori Zavascki abriu um terceiro caminho: ressaltou que há uma tradição no Brasil de que mudanças desse tipo devem ser aprovadas pelo Congresso e propôs que a inconstitucionalidade seja declarada do julgamento para frente, o que não afetaria a convenção contestada.

Com este cenário no Supremo, o TRT-ES editou a Súmula 42, na qual fixa a inconstitucionalidade da anulação feita por Fernando Henrique. “A Convenção 158 da OIT é um tratado de direito humano social. A aprovação e ratificação de um tratado de direitos humanos é um ato complexo, necessitando da conjugação da vontade de dois Poderes”, diz o texto da corte capixaba.

Fonte: ConJur