A exclusão de parlamentares e ocupantes de cargos públicos do regime de regularização de recursos no exterior foi uma medida de moralidade que decorre de uma interpretação linear do regime tributário da Constituição Federal. Segundo parecer enviado pela União ao Supremo Tribunal Federal na segunda-feira (3/10), ao proibir que contribuintes em situação semelhante sejam tratados de maneira diferente, a Constituição também permite que contribuintes  em situações particulares recebam tratamento desigual.

Por isso, defende a União, o artigo 11 da chamada Lei de Repatriação de Divisas é constitucional quando proíbe que políticos e seus parentes participem do programa. De acordo com o parecer, Constituição Federal, no artigo 150 e seu inciso II, proíbem o tratamento fiscal desigual sem fundamento como forma de impedir “discriminações arbitrárias ou desarrazoadas em prejuízo ao contribuinte”. Mas isso não proíbe o tratamento desigual “por motivo extrafiscal”.

A manifestação da União, elaborada pela Advocacia-Geral da União, foi enviada ao Supremo numa ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo partido Solidariedade para discutir o artigo 11 da Lei de Repatriação. A lei criou um regime para que contribuintes que tenham bens ou dinheiro no exterior sem declará-los à Receita Federal possam regularizar sua situação com abatimento no imposto devido e na multa fiscal.

O artigo 11, último item da lei, exclui “detentores de cargos, empregos e funções públicas de direção ou eletivas, nem ao respectivo cônjuge e aos parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção” do regime. Mas, para o Solidariedade, o dispositivo é inconstitucional.

No entendimento do partido, do deputado Paulinho da Força (SD-SP), o artigo 150, inciso II, proíbe o tratamento fiscal diferenciado entre contribuintes. O dispositivo proíbe ao poder público “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida”.

Discriminação extrafiscal
Para a União, no entanto, o inciso não pode ser interpretado de maneira isolada, mas lido de forma sistemática. No parecer enviado ao Supremo na segunda, a AGU afirma que a Constituição veda o tratamento diferenciado se ele for imotivado, e para evitar “privilégios odiosos a favor do sujeito passivo do tributo”.

Mas, continua a União, a administração pode discriminar entre contribuintes por motivo extrafiscal, como a ocupação ou ramo de atividade, “desde que a distinção seja razoável, derivada de uma finalidade objetiva, e se aplique a todas as pessoas da mesma classe ou categoria”.

É o que diz a jurisprudência do Supremo elencada na petição. Em 2003, o Plenário julgou improcedente uma ação que pretendia declarar inconstitucional o regime do Simples Nacional para micro e pequenas empresas. Naquela ocasião, o STF decidiu que “não há ofensa ao princípio da isonomia tributária se a lei, por motivos extrafiscais, imprime tratamento desigual a empresas com capacidade contributiva distinta”.

“O princípio da igualdade ou isonomia não deixa de permitir ao legislador infraconstitucional a concessão de tratamento desigual, ou seletivo, em favor de situações ou fatos que não mereçam ser tratados igualmente”, conclui a AGU.

Moralidade
No entendimento da AGU, esse tratamento diferenciado obedece ao artigo 37 da Constituição, que descreve o princípio da moralidade na administração pública, ao princípio da razoabilidade descrito no inciso LIV do artigo 5º e com a regra da inelegibilidade de parentes de políticos eleitos nos últimos seis meses.

A exclusão de parlamentares não constava do projeto original da lei, de autoria do governo federal. Foi incluído no texto por iniciativa dos deputados Bruno Covas (PSDB-SP) e Mendonça Filho (DEM-PE), justamente com o discurso da moralidade dos ocupantes de cargos públicos.

Na época, ambos faziam parte da oposição ao governo. Hoje, depois doimpeachment e de que Michel Temer assumiu a Presidência da República, Mendonça Filho é ministro da Educação e Bruno Covas, vice-prefeito eleito de São Paulo, em chapa apoiada por partidos da base do atual governo. Nos debates na Câmara, Bruno Covas disse que a ideia de excluir os políticos do regime de repatriação foi sugerida “nas redes sociais”. “Foi o cidadão que sugeriu”, disse.

O deputado Daniel Coelho (PSDB-PE) depois explicou que a intenção da emenda ao projeto original era evitar que os parlamentares legislassem em causa própria. Em seguida, José Carlos Aleluia (DEM-BA) completou: “Este projeto não vai proteger nenhum de nós e nenhum dos nossos familiares. Nós somos pessoas politicamente expostas, para os bancos brasileiros e para os bancos estrangeiros”.

ADI 5.586
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Fonte: ConJur